Boletim n. 317 - agosto/2025
- ASSAN 2025
- 11 de ago.
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A reestruturação de julho
O decreto n. 12.554, de 14 de julho de 2025, promoveu uma nova reestruturação no Arquivo Nacional, a sexta desde 2023. Com essa reestruturação foram criadas três unidades regionais e, de acordo com o comunicado publicado na intranet, restabelecida a unidade dedicada ao processamento técnico de documentos cartográficos e transferida a Divisão Centro de Referência Memórias Reveladas (DICMR) para a Coordenação-Geral de Articulação de Projetos e Internacionalização, ligada diretamente à direção-geral do Arquivo Nacional. O decreto também extinguiu a Coordenação de Articulação Institucional (Coai), subordinada à Coordenação-Geral de Relações Institucionais, que, de acordo com pesquisa feita no Diário Oficial da União, estava sem titular desde o final de fevereiro de 2025. Outras alterações efetuadas, mas não divulgadas no comunicado, podem ser vistas na portaria DGP/MGI n. 7.590/2025.
Como ocorreu nas outras ocasiões, as mudanças, apesar de pontuais, não foram amplamente discutidas, ainda que algumas constituam objeto de antigas demandas dos servidores. Para que se tenha uma dimensão completa das alterações, é necessária a leitura de outros atos legais, como a portaria referida acima, o que torna bastante incompleta a nota emitida pela direção-geral, valendo assinalar que alguns servidores das áreas afetadas foram surpreendidos com tais mudanças.
Ressaltamos como positiva a recriação de uma área específica para o processamento técnico dos documentos cartográficos, que deixou de existir em 2022, por ocasião da reestruturação realizada durante o governo de Jair Bolsonaro, quando foi instituída uma única divisão para o tratamento de documentos iconográficos e cartográficos. Contudo, ainda restam algumas ‘heranças’ dos tempos bolsonaristas, como a designação da DGD como Diretoria de Gestão de Documentos e Arquivos, suscitada pela transformação do Siga efetuada pelo decreto n. 10.148/2019 e apontada como equivocada pelos próprios servidores do setor, no diagnóstico apresentado pela Assan à então diretora-geral Ana Flávia Magalhães Pinto em março de 2023.
Ao lado disso, observamos na estrutura da direção-geral a permanência de algumas coordenações-gerais e coordenações que funcionam sem equipes, o que torna evidente, como já enfatizamos em outras ocasiões, a ausência de lógica administrativa que norteou as reestruturações anteriores. Veja-se o caso da Coordenação-Geral de Relações Institucionais, cuja titular, Franciele de Oliveira Rocha, foi exonerada do cargo recentemente. De acordo com a portaria MGI n. 7.660/2024, esta área tem como função a gestão dos relacionamentos governamentais estratégicos do Arquivo Nacional com os diversos públicos e o desenvolvimento e diagnóstico de pesquisas de opinião pública, com foco no fortalecimento da identidade institucional e na manutenção da qualidade dos serviços prestados pelo Arquivo Nacional. Em uma pesquisa rápida no portal, localizamos poucas informações sobre as atividades dessa coordenação-geral desde sua criação em 2024, com destaque para o Arquivo em Cartaz, que foi ‘repensado’ por essa área, desconsiderando a longa experiência acumulada pela instituição na organização desse festival, como já abordamos em boletim anterior.
Sobre o retorno do Memórias Reveladas à estrutura da direção-geral, esperamos que a transferência também resulte em seu fortalecimento e na retomada de seu papel original. Aguardamos ainda que a tão propalada valorização se efetive para além dos eventos e homenagens que temos visto, com frequência, desde 2023.
A ‘regionalização’ do Arquivo Nacional e a efetividade das políticas públicas arquivísticas
No dia 15 de julho, foi aprovada uma nova reestruturação do Arquivo Nacional, pelo decreto n. 12.554/2025, que promoveu mudanças pontuais na estrutura do órgão. Esta reestruturação incluiu a criação de unidades nas regiões Norte, Nordeste e Sul, o que promoveria a tão aguardada regionalização do Arquivo Nacional prevista na lei n. 8.159/1991, mas que jamais teve reunidas as condições políticas necessárias à sua implementação. As novas unidades regionais foram estruturadas como três escritórios, cada um com uma chefia e dois servidores, e atribuições bastante amplas e pouco precisas, como informa a nota veiculada pela direção-geral. Os escritórios regionais terão suas ações voltadas “para a gestão de documentos, a ampliação do acesso ao acervo custodiado pela instituição e o apoio às ações do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) junto às instituições do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), por meio de assistência técnica mais próxima e voltada às necessidades locais”.
De imediato chama atenção a escolha do formato das unidades administrativas, que em nada se assemelha à da Superintendência Regional no Distrito Federal (Sureg) e parece incompatível com a dimensão das tarefas que lhes foram atribuídas e com sua efetividade na extensão geográfica em que devem atuar. Mas inúmeros outros fatores podem ser elencados nessa açodada ‘regionalização’ do Arquivo Nacional, como os tais “critérios como densidade documental, demanda regional por serviços e cobertura territorial”, que teriam sustentado a escolha da localização dos escritórios regionais, além de uma série de outros aspectos, como o planejamento e o orçamento disponível para sua execução, para além dos custos condominiais, que numa administração comprometida com a transparência deveriam ser publicizados. A dimensão da fragilidade dessa regionalização do Arquivo Nacional se tornou conhecida somente após matéria do Giro da Arquivo, que publicou decisivo artigo do professor José Maria Jardim, que solicitou acesso ao projeto de regionalização via Lei de Acesso à Informação e, após interpor recurso, obteve a nota técnica que teria fundamentado a criação desses escritórios, assinada por Paola Rodrigues Bittencourt, diretora de Gestão de Documentos e Arquivos, Thiago Vieira, diretor de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo, Sheila Christina Mueller Mello, diretora-geral adjunta, com o acordo de Monica Lima e Souza, diretora-geral do Arquivo Nacional. A leitura do documento pouco esclarece, estando longe mesmo de se constituir como um protocolo de boas intenções. A atual administração parece manter o mesmo espírito do já conhecido “maravilhoso mundo do Arquivo Nacional”, como podemos perceber na evidente versão ufanista da matéria publicada no jornal O Dia, logo após a divulgação do artigo do professor José Maria Jardim, que não elucida em nenhum aspecto as questões levantadas sobre esse projeto. Mais uma vez, a única resposta veio das redes sociais de um dos gestores do Arquivo Nacional, que se referiu ao questionamento de um pesquisador da área, precursor em estudos sobre políticas públicas e governança arquivística, de forma jocosa e irônica, parecendo desconhecer que a transparência e a seriedade deveriam ser pilares fundamentais do desempenho institucional de uma gestão pública comprometida com valores republicanos.
No Arquivo Nacional, foi aberto processo seletivo interno para remoção de servidores para os escritórios regionais recém-criados, mas os critérios para escolha das chefias desses escritórios permanecem um mistério. Após décadas de espera pela regionalização, num contexto de grande fragilidade política da instituição, decorrente de sucessivos ataques perpetrados à sua autoridade técnica, o Arquivo Nacional merecia da direção-geral e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos um projeto mais consequente, em que fosse possível constatar um compromisso político de longo prazo com a política de gestão de documentos da administração pública federal.
A falta de materialidade na política de prevenção e enfrentamento ao assédio moral e à discriminação do MGI
No dia 10 de junho, a Assan cobrou uma resposta da Direção-Geral do Arquivo Nacional em relação a um caso gravíssimo de alteração de avaliação no Petrvs, após denúncia ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). Ainda que o Arquivo Nacional possua um papel limitado no que respeita à apuração e à responsabilização dos envolvidos, coube à própria pessoa prejudicada buscar conhecer a autoria da alteração para encaminhar o caso às esferas competentes do MGI.
Na reunião com a direção-geral ocorrida no dia 3 de julho, a Assan cobrou medidas mais efetivas, junto às chefias, a fim de evitar práticas abusivas que são corriqueiras na instituição, e criticou a condução do processo, que culminou em uma dispensa “a pedido”, diferentemente de tantas outras dispensas de cargo e exonerações realizadas pelo Arquivo Nacional, como temos acompanhado no Diário Oficial da União.
Essa resposta ‘eloquente’ da direção-geral em relação ao caso foi acompanhada de outras: o Encontro Institucional para a Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação, que ocorreu no dia 2 de julho, uma oficina dedicada ao enfrentamento de violências simbólicas no ambiente de trabalho, e uma oficina com o tema Escutatória, Comunicação Assertiva e Integridade para Lideranças.
A mesa do encontro, formada pela diretora-geral (que permaneceu por pouco tempo devido a um compromisso institucional marcado no mesmo horário), por servidores da Assessoria de Controle Interno e da Corregedoria do MGI, e por um representante do Comitê de Conflitos do Arquivo Nacional, contou com grande audiência dos servidores da sede, o que levou a organização a cortar as fitas que interditavam as fileiras posteriores sem motivo aparente, e com a participação remota dos servidores da Superintendência Regional de Brasília (Sureg).
Apesar da inegável necessidade de iniciativas desse tipo, pouco se discutiu sobre a prevenção e o enfrentamento ao assédio e à discriminação. As falas se restringiram a definir o que não constitui assédio e a desqualificar as denúncias dos servidores que chegaram à Corregedoria, tachadas como desprovidas de materialidade. Em relação ao Arquivo Nacional, a representante da Corregedoria afirmou, em mais de uma ocasião, que as questões que chegavam ao MGI eram um "problema de gestão", transferindo para a instituição a resolução a resolução do problema.
Sabemos, contudo, que várias denúncias de casos de assédio ocorridos no governo de Jair Bolsonaro foram feitas ao MGI, estimuladas por assessoras do ministério em um outro evento, denominado de Semana de Valorização do Servidor, que aconteceu em maio de 2023. Tais denúncias, cuja materialidade é inegável, haja vista a existência de registros escritos e testemunhos de colegas de trabalho, não tiveram resposta até o momento. Pior: em 2023, dois denunciados foram transferidos para o próprio MGI, dispondo de funções comissionadas executivas.
Ou seja, o que falta é materialidade nas ações do ministério, acarretando um descrédito que desestimula os servidores a fazerem suas denúncias e coloca em xeque o programa do governo federal para o tratamento do assédio moral e da discriminação. Depois do que ocorreu no governo Bolsonaro em toda a administração pública federal, era de se esperar uma prática efetiva de combate ao assédio moral e à discriminação. Precisamos mais do que palavras e compromissos ‘simbólicos’.
Em relação ao Arquivo Nacional, reforçamos que a solução não pode ser dada pelos próprios servidores, ao solicitarem sua saída dos ambientes onde sofreram assédio, como temos visto. A inação das chefias superiores as torna cúmplices do que vem ocorrendo na instituição.
E a história se repete...
Mais uma vez somos surpreendidos com a notícia de que o Centro de Documentação do Patrimônio, unidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), oferece “serviço de assessoria técnica para prefeitos, secretários e demais agentes municipais responsáveis por arquivos públicos, e para grupos da sociedade civil que gerenciam arquivos comunitários”. Conforme analisou o Giro da Arquivo, além de tais ações não serem competência do Iphan, estão no escopo das atribuições do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), que deveria estabelecer as diretrizes para o funcionamento do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), do qual é órgão central, e promover o inter-relacionamento e a integração sistêmica das atividades dos arquivos públicos e privados, de acordo com o previsto no decreto n. 4.073, de 3 de janeiro de 2002. Nos últimos anos, a crescente invisibilização e fragilidade do Arquivo Nacional e do Conarq tem aumentado a dificuldade em coordenar a complexa arquitetura arquivística brasileira, o que pode ser expresso por inúmeras ações, como o avanço do ColaboraGov e a oferta de serviços de gestão de documentos pela ‘solução’ Correios Gestão DOC, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT). Mais uma vez solicitamos que a diretora-geral do Arquivo Nacional e presidente do Conarq se pronuncie e esclareça sobre as medidas adotadas para conter o quadro de crescente debilidade institucional a que se submetem esses órgãos.
Plano de carreira
O plano de carreira é, sem dúvida, uma das maiores lutas dos servidores do Arquivo Nacional, que estão enquadrados no Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, cuja estrutura e tabela remuneratória não refletem as especificidades do trabalho na instituição, além de não incentivarem a realização de capacitação, por não preverem adicionais por qualificação.
Os sucessivos governos relutaram em estabelecer planos de carreira, em geral alegando comprometimento no orçamento. No Arquivo Nacional, essa é uma luta histórica, que já contou, em anos anteriores, com rodadas intermináveis em mesas de negociação que até o presente momento não resultaram em nenhuma medida prática.
Embora o MGI atualmente não tenha mesas de negociação abertas para discussão de planos de carreira, ainda assim podemos pressionar para que nossa proposta entre em pauta. Mas para isso precisamos discutir essa proposta ou ao menos atualizar a última versão apresentada.
Em breve será marcada uma reunião para atualizarmos esta discussão e compartilharmos o histórico da nossa proposta, visando em especial os novos servidores. Mas esta é uma questão que interessa a todos nós, e incentivamos o envolvimento de todos!
Estatuto
A Associação dos Servidores do Arquivo Nacional (Assan) congrega os servidores da instituição e age em sua defesa. E, uma vez que os servidores são os pilares de um serviço público de qualidade e linha de defesa das instituições em que trabalham, certamente a associação também se configura como uma entidade de defesa do Arquivo Nacional. Parte de um conjunto de entidades que organiza os trabalhadores do serviço público – como os sindicatos e federações, em outro nível –, as associações de servidores são entidades de direito privado, dotadas de estatuto próprio.
O estatuto que rege a Assan data dos anos 2000. Alguns pontos podem ser considerados desatualizados, prejudicando a atuação da entidade. Para alterar o estatuto, é necessário que as mudanças sejam aprovadas em assembleia com quórum de dois terços dos associados. Após a aprovação, a alteração será formalizada em cartório.
Um dos pontos que mais vêm sendo questionados diz respeito à participação de servidores oriundos de outros órgãos da administração pública. Atualmente, esses servidores podem filiar-se à Assan como membros com direito a voz e voto, mas não podem concorrer aos cargos eletivos. A necessidade de aumentar a participação de todos os servidores lotados na instituição vem alimentando discussões em torno da alteração do estatuto.
A atual diretoria pretende encaminhar esta discussão em breve, e convidamos todas e todos a participar. Conversem com seus colegas, com a diretoria da entidade, compareçam às reuniões, acompanhem nosso boletim. Conheçam o atual estatuto no Blog da Assan, assim estaremos todos prontos para debater e decidir quais mudanças podem e devem ser feitas.