Abaixo a censura no Arquivo Nacional
- ASSAN 2025
- 1 de mai. de 2017
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de jun.
Para os servidores do Arquivo Nacional (AN), acostumados, por ofício, a lidar com a construção de memórias e narrativas históricas, é impossível esquecer a natureza política da chegada de sua atual Diretora ao cargo, por indicação de Cristiane Brasil, “ex-futura-Ministra” do Governo golpista de Temer. Não se pode esquecer, também, que a Direção-Geral do AN acumula a Presidência do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), e a Coordenação-Geral do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) – Memórias Reveladas (MR). De acordo com o texto institucional publicado quando de sua inauguração, o MR “coloca à disposição de todos os brasileiros os arquivos sobre o período entre as décadas de 1960 e 1980 e das lutas de resistência à ditadura militar, quando imperaram no País censura, violação dos direitos políticos, prisões, torturas e mortes. Trata-se de fazer valer o direito à verdade e à memória”. (Disponível em: http://www.memoriasreveladas.gov.br/. Acesso em: 11/04/2018)
Sabemos que memórias individuais e de grupos são construídas ou silenciadas de acordo com
o contexto político do momento. Em 2009, quando o Memórias Reveladas foi criado, o contexto parecia favorável à reivindicação de direitos – entre eles, o direito à memória –, possibilitando a construção de discursos que problematizassem um passado recente de autoritarismo e arbitrariedades. Ainda que o caminho rumo a uma sociedade efetivamente democrática e igualitária estivesse, naquele momento, por ser trilhado, havia indícios de que o país caminhava nesse sentido. E é no mínimo triste ver como, em menos de 10 anos, muita coisa mudou. Para pior. Se em 2009 o MR já era objeto de críticas de parte dos grupos que deveriam estar representados pelo Centro, hoje parece preocupante o fato de que seja coordenado pela atual Diretora do Arquivo Nacional.
Não são raros os relatos de servidores da Instituição que têm sido afetados por intervenções de caráter ideológico no trabalho que desempenham. Circulam entre os servidores, de forma cada vez mais intensa, notícias de alterações em textos e projetos produzidos pelos técnicos da Instituição, de maneira a silenciar tudo o que lembre o período da ditadura que imperou no país nas décadas de 1960 e 70, ou que, em alguma medida, comemore “efemérides de esquerda”. As intervenções, de acordo com os relatos, estariam sendo promovidas especialmente pela Diretora e por seu indicado para o cargo de Coordenador-Geral de Acesso e Difusão Documental.
Num momento em que o AN investe em atividades de difusão do acervo, preocupa saber que elas estejam sendo pautadas de forma ideológica, com o objetivo de censurar a história das lutas por direitos no país, esvaziando a Instituição do seu potencial espaço de representação da sociedade. O Arquivo Nacional não é do governo, é do Estado e da sociedade. Essa é uma lição que a atual gestão do órgão precisa entender.
Uma das mais recentes ações de censura teria acontecido durante os preparativos para a visita do Ministro da Justiça à Instituição, no dia 6 de abril. Todos os servidores puderam visitar os documentos selecionados para compor a exposição montada no Salão Nobre especialmente para a ocasião, mas nem todos puderam conhecer a lista dos documentos que tiveram sua exibição censurada. Segundo relatos, teriam sido vetados: o cartaz do filme O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho; o cartaz do filme Jango, de Silvio Tendler; e o filme de Nélie Sá Pereira com cenas de Jessie Jane e sua filha recém-nascida presas no Talavera Bruce em 1977. Isso significa dizer que reforma agrária, golpe e prisão política são agora temas proibidos no Arquivo Nacional, numa diretriz determinada pela coordenadora-geral do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) - Memórias Reveladas.
A Assan conclama os servidores do Arquivo Nacional a não se calarem diante de tamanho absurdo. Se você, servidor, vivenciou um episódio de censura política no desempenho de suas atividades, procure a Associação. Como servidores públicos, é esse o nosso dever. Governos passam, diretores e coordenadores também. Num momento de instabilidade democrática como o que temos vivenciado, não podemos nos furtar a defender a Instituição. Mais do que nunca, precisamos reafirmar a luta por critérios técnicos e democráticos para a escolha da Direção-Geral do Arquivo Nacional, com tempo de mandato definido e limite de reconduções.
Censurar numa exposição interna para o Ministro da Justiça um importante período de nossa História e sobre o qual o Arquivo Nacional guarda importante documentação é sintomático. Diz muito sobre quem censurou e sobre a expectativa que tinha da reação de quem iria vê-lo. Nos mostra que a época que se quer silenciar ainda ecoa vivamente nos dias de hoje.
*Publicado originalmente no Boletim n. 79, maio de 2017
Comentários